Fazenda Ponto Alegre, em Cabo Verde, desenvolve práticas sustentáveis como a compostagem, a reutilização da água e a valorização de funcionários
Há quase 20 anos, antes mesmo de o conceito de sustentabilidade entrar para a agenda global, a Fazenda Ponto Alegre, localizada na pequena Cabo Verde, ao Sul do Estado, já desenvolvia atitudes socioambientais envolvendo a produção cafeeira e a qualidade de vida dos empregados e moradores do entorno. A propriedade, administrada pelos irmãos Renato, Eduardo e Mabel Lima de Sousa, pertence à família há quatro gerações. A marca dessa tradição é um casarão do começo do século passado que desponta junto à abundante paisagem local. São 419,7 hectares de área, sendo 260 destinados à plantação de café e o restante dividido em espaços de estrutura e preservação ambiental.
A prática da compostagem foi a primeira ação sustentável a ser efetivamente inserida na rotina da fazenda. Eduardo Sousa, que é engenheiro agrônomo, justifica a utilização do processo pelo fato de a pós-colheita do café gerar muitos resíduos, como folhas, cascas e pedúnculos, uma vez que somente a semente é comercializada. “Fazemos a compostagem dos nossos resíduos e também dos vizinhos. É um sistema estratificado, que usa um pátio licenciado pelos órgãos ambientais. As leiras (montes) são revolvidas semanalmente e sempre analisamos a temperatura, a umidade e a aeração. Dentro de três ou quatro meses o material já está umidificado, transformando-se em adubo orgânico que retorna à lavoura de café”, explica. Parte desse adubo também é doado para hortas da creche no bairro Coelhos e escolas municipais e estaduais de Cabo Verde. A produção da fazenda gera 600 toneladas de matéria orgânica por ano.
O adubo proveniente deste processo é adicionado ao adubo mineral, ou seja, ao fertilizante industrializado, gerando uma mistura organomineral. Tal combinação é capaz de contribuir, segundo os proprietários, para um custo 40% menor em relação à utilização de 100% de adubo mineral. Mas o benefício dessa prática vai muito além dos dados econômicos. “Os fertilizantes, sobretudo os nitrogenados, liberam óxido nitroso (N²O), que é 302 vezes mais poluente que o dióxido de carbono (CO2). Assim, quanto menor for a adubação, menor será a liberação de gases poluentes”, detalha Eduardo Sousa. O irmão Renato Sousa completa as informações. “Qualquer outro resíduo de origem animal ou vegetal pode ser tratado: pó de serragem, esterco, gramíneas, restos de cultura de plantas, sobras de alimentos, uma infinidade de coisas. Costumo de dizer que, se um dia teve vida, aquilo é passível de compostagem.”
Renato Sousa também conta que um de seus principais desejos é firmar parcerias com as prefeituras municipais das cidades vizinhas, região conhecida como Lago de Furnas, a fim de receber os resíduos orgânicos desses locais. “A parte molhada do lixo, composta pelas sobras de alimentos, é o grande problema dos aterros sanitários. A parte seca é facilmente destinada para a reciclagem, como o papel, o vidro, o plástico e o metal, mas as instituições governamentais não costumam dar destinação correta ao material orgânico. Estamos aqui para auxiliar nesse processo, recebendo os resíduos e os encaminhando para a compostagem”, afirma.
Proteção ambiental
Além das ações envolvendo a compostagem, a Fazenda Ponto Alegre fornece mudas nativas para o viveiro do Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Muzambinho, que trabalha com projetos ligados ao reflorestamento. A região está plenamente em acordo com o Código Florestal (Lei 4.771/1965), que prevê que as áreas de nascentes e cursos d’água, consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP), devem ser recompostas em caso de degradação. “Nesse processo, procuramos envolver as escolas da região. As crianças passam um dia participando de atividades de plantio e assistem a palestras de educação ambiental”, conta Renato Sousa.
Outra atividade ambientalmente adequada envolve a destinação da água residual da lavagem e do despolpamento do café para uma área de braquiárias utilizadas para o pasteio (pastejo) de gado, em um sistema de irrigação via aspersão. “Essa água tem uma carga muito grande de resíduos e não deve ser descartada em cursos naturais de água, sob pena de contaminá-los. Se houver contaminação, haverá ‘roubo’ de oxigênio, contribuindo para o desequilíbrio de todo o ecossistema aquático”, alerta Eduardo Sousa.
Envolvimento da comunidade
São significativas as ações ambientais desenvolvidas na Fazenda Ponto Alegre, mas o trato das questões sociais também merece destaque. Normalmente, a propriedade conta com 70 funcionários, que sobem para 200 em época de colheita. Dos 70 colaboradores fixos, 40 lá residem e outros 30 no bairro de Coelhos. Nota-se, aí, o quão importante é a fazenda para a sustentabilidade econômica de seu entorno. Celino da Silva, um dos empregados, é nascido e criado no local. Em sua(s) palavras, “fazer parte dessa ‘família’ é motivo de muita felicidade”. “É maravilhoso trabalhar e viver aqui. Os patrões tratam a gente muito bem, sabem cuidar da natureza, dão cursos, nos ajudam a melhorar de vida. Eu me sinto importante”, completa.
Os cursos mencionados por Celino da Silva, como aplicação de agrotóxicos e manejo de poda, são ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), em um centro de treinamento construído na fazenda para a capacitação de funcionários. A entidade beneficia, ainda, a Associação de Mulheres da Comunidade, cujas integrantes fazem cursos, também via Senar, de dicas de saúde, bordado, pintura e aproveitamento de sobras de alimentos.
Mais uma ação em benefício da comunidade refere-se à doação de parte do terreno da propriedade para a construção da creche do bairro de Coelhos, mantida pela Prefeitura Municipal de Cabo Verde. Os irmãos doam presentes às crianças em datas comemorativas e sempre auxiliam quando há necessidade de manutenções estruturais. Além disso, por iniciativa de Mabel, irmã de Renato e Eduardo, foi adquirido um maquinário completo para que as mulheres da comunidade trabalhem em uma facção para costura de roupas femininas. As esposas dos colaboradores e as moradoras do bairro utilizam o local para ter uma fonte extra de sustento, além do café.
Segundo Eduardo Sousa, as iniciativas feitas na Fazenda Ponto Alegre e no seu entorno não são praticadas visando à obtenção de prêmios ou mesmo a notoriedade. Para ele, ser sustentável é natural e motivador. “Acreditamos que a parte ambiental e social reflete na área econômica. Se eu não cuidar da nascente, eu não vou ter recursos hídricos para exercer a minha atividade da cafeicultura. Se eu não motivar as pessoas, eu não vou ter quem colabore com o meu negócio”, ensina. Renato Sousa corrobora a opinião do irmão e afirma que a busca pelo lucro existe, mas caminha lado a lado com as questões socioambientais. “Estou ciente de que tudo o que fazemos não é nada mais do que nossa obrigação. O mundo seria bem melhor se todas as empresas tivessem essa consciência”.
Atuação comprovada
A Fazenda Ponto Alegre é participante do programa Educampo/Café desde 2011, metodologia desenvolvida pelo Sebrae Minas para acompanhamento técnico e de gestão de propriedades rurais e capacitação de empresários do ramo na tomada de decisões com base na produção e análise de indicadores técnicos e econômicos. O consultor técnico da iniciativa, Rodrigo José Muniz, considera os proprietários da fazenda de Cabo Verde empreendedores muito organizados.
Rodrigo Sousa ainda cita algumas certificações obtidas pela sua propriedade, bem como a participação em associações internacionais de renome na área do café, comprovando como o empreendimento cafeeiro pode ser econômico, social e ambientalmente bem-sucedido. Entre elas estão: UTZ Certified (10ª vez), selo internacional que garante que o café comercializado foi produzido seguindo altos padrões de qualidade, respeito ao meio ambiente e segurança do trabalhado; 4C – Código Comum da Comunidade Cafeeira, associação que busca promover a sustentabilidade do setor de café em todo o mundo; e Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), que confere a excelência em qualidade dos cafés certificados. Vale ressaltar que o café da Fazenda Ponto Alegre possui também selo de origem (State Coffee).
Práticas reconhecidas
A fazenda de café Ponto Alegre, de Cabo Verde, foi destaque do Prêmio Sebrae Minas de Práticas Sustentáveis 2012. O empreendimento rural se destacou entre os 93 projetos inscritos, concorrendo com um trabalho de destinação de resíduos para o processo de compostagem, reutilização da água do café, reflorestamento e apoio a projetos sociais do seu entorno.
A premiação é um estímulo à inovação tecnológica e à busca de posturas e procedimentos que possam tornar as pequenas empresas mais eficientes, rentáveis e sustentáveis. Os participantes devem estar em dia com as obrigações de licenciamento ambiental e ter práticas diferenciadas na gestão de resíduos, recursos hídricos, eficiência energética, controle de qualidade do ar e da poluição sonora. No lado social, é preciso haver investimentos em programas de treinamento e capacitação dos empregados, de segurança no trabalho, além de respeito à legislação trabalhista, previdenciária e fiscal.
Os finalistas da edição 2013 do prêmio, a terceira consecutiva, serão conhecidos no dia 7 de outubro. A cerimônia de premiação está agendada para o dia 23 daquele mês.
Por: Assessoria de Imprensa do Sebrae Minas